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sábado, 26 de novembro de 2011

UM POETA PAJEUZEIRO,ANDARILHO E BOÊMIO

 

Emygdio de Miranda

 








  ESSA MULHER QUE PASSA

“Foi minha amante essa mulher que passa...
 Sorveu-me em beijos todo o meu ideal!
 E comigo bebeu na mesma taça
 O vinho do desejo sensual...

 Muito tempo possuímos nós, sem jaça,
 A gema da ventura triunfal!
 Mas um dia partiu... e eí-la devassa,
 Bracejando no pélago do mal...

Quando ela passa, eu vejo na tristeza
De seu olhar de erótica beleza
Todo o brilho da orgia da desgraça...

E não posso ficar indiferente,
Só porque afinal, infelizmente,
Foi minha amante essa mulher que passa...”

Alguns passam por essa vida e nos deixam coisas muito valiosas, as quais se constituem num legado. Porém, esse tesouro deve ser compartilhado, propagado, divulgado. Não pode ser guardado ou muito menos olvidado. O esquecimento a que relegamos personagens da nossa cultura e história é algo doloroso e que nos causa grande prejuízo. Entre tantas personalidades, resolvi hoje lembrar de Emygdio de Miranda – um poeta sensível, talentoso, boêmio e pobre, vencido pelo vício do álcool que o levou quando contava apenas 36 anos.

Waldemar Emygdio de Miranda nasceu na cidade do Recife, em 05 de agosto de 1897. De acordo com o pesquisador Luiz Wilson, seus pais foram o professor Auxêncio da Silva Viana e sua esposa D. Maria dos Passos de Miranda Andrade, que se fixaram em Serra Talhada, abrindo uma escola na sua residência, na Praça Sérgio Magalhães, tendo tal fato acontecido no princípio do século passado até mais ou menos o ano de 1920. Ali viveu Emygdio até os 18 ou 19 anos de idade, conforme nos conta Luiz Wilson.

Em publicação da Fundação Casa de Cultura de Serra Talhada consta que, aos 16 anos suas produções poéticas enchiam um caderno manuscrito que ele denominou de Rosal. Foi também muito jovem que o poeta entregou-se ao vício do álcool, talvez entediado pelas limitações da pequena cidade que não conseguia conter seu espírito inquieto, sua personalidade forte e intelectualmente superior aos seus contemporâneos”.

Conhecido por “Vate Peregrino”, Emygdio de Miranda viveu em Triunfo, Arcoverde (antiga Rio Branco), Caruaru, João Pessoa e Princesa Isabel, além de Serra Talhada. Segundo o historiador pernambucano Leonardo Dantas Silva, Emygdio é “descrito como um boêmio, sem morada fixa, vagando pelos sertões do Pajeú, pousando ora em Arcoverde, ora em Serra Talhada, demorando algum tempo em Caruaru, mas logo retornando a Triunfo e estendendo sua viagem até Princesa do Coronel José Pereira, sempre bebendo aqui e acolá, recitando seus poemas para seus admiradores, como se fosse um menestrel medieval”.


“Tu, ventrudo burguês analfabeto,
Escultura rotunda da irrisão
Para quem o viver mais limpo e reto
Consiste em ser avaro e ter balcão

Tu que resumes o teu afeto
No dinheiro – o metal da sedução,
Pelo qual negocias, abjeto,
Tua esposa, teu lar, teu coração;

Escuta ó ignorantaço, o que te digo:
Esse ouro protetor, que é teu amigo,
Que te deu o conforto de um paxá,

Pode comprar qualquer burguês cretino,
Mas a lira de um vate peregrino
Não compra, não comprou, não comprará”

Esse era o mundo de Emygdio de Miranda. Por volta de 1928 ou 1929 segue para Arcoverde, sem contudo esquecer o Pajeú.

Ode ao Pajeú

Amplo, enorme, a rolar em giros caprichosos,
Desce o rio, invadindo as roças e as pastagens;
E avoluma-se e cresce em convulsões selvagens,
Sultão, domina a várzea e os montes pedregosos...

Escavando os grotões, mergulhando as ramagens,
Passa ufano, a cantar os seus efeitos gloriosos.
Geme o vale humilhado aos ímpetos raivosos,
Desse rio hibernal de eternas vassalagens...

Herói, de inverno a inverno, audaz assoberbado,
Não respeita a miséria e a dor do desgraçado,
Que o trabalho perdeu... a roça... o próprio pão

E sereno, sem dó da dor que rude espalha,
Vai cantando, a rolar... e entre moitas farfalha
E não chora, porque nasceu sem coração

         e na ânsia de vida, morre o poeta andarilho

                              LIO DE SOUZA 

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